A indústria nuclear estadunidense saudou 2022 como um “ponto de inflexão”, com o aumento de investimentos privados e do apoio governamental sem precedentes, dando nova vida a um setor que vinha em baixa nas últimas décadas no país mais rico do mundo.
A nova legislação federal promulgada nos últimos 18 meses injetará cerca de US$ 40 bilhões no setor na próxima década, segundo estimativas da indústria, enquanto cerca de US$ 5 bilhões em fundos privados foram direcionados para empresas que projetaram novos tipos de reatores apenas no ano passado.
“É realmente um ótimo ambiente para investidores – tanto público quanto privado”, disse Ryan Norman, analista do think-tank de energia Third Way. “Há um reconhecimento federal de que as tecnologias nucleares têm um papel fundamental a desempenhar no futuro energético dos Estados Unidos”, acrescentou. E completou: “Não importa como você corte, estamos falando de bilhões de dólares sendo despejados nessas empresas de reatores avançados”.
A guinada no financiamento ocorreu a partir do momento em que a energia nuclear, perseguida diversas vezes por preocupações de segurança e receio dos investidores quanto aos custos, ressurgiu como um elemento central na luta contra as mudanças climáticas.
A fonte nuclear pode fornecer uma carga básica de energia livre de carbono em escala 24 horas por dia, independentemente do clima, tornando-a muito mais confiável do que fontes renováveis intermitentes, como eólica e solar.
“O que estamos passando agora não é tanto um renascimento, mas um esclarecimento”, pontuou o CEO da Sociedade Nuclear Americana (American Nuclear Society – ANS), Craig Piercy. Segundo ele, “líderes na indústria e no governo estão realmente se debruçando sobre a difícil matemática de como entramos no caminho para a descarbonização profunda”.
Geração nuclear nos EUA
Os Estados Unidos têm a maior frota nuclear do mundo, com 93 usinas que fornecem cerca de 20% da energia do país – o equivalente à metade de sua energia livre de carbono.
Nos últimos anos, turbinas de alta eficiência, gás natural barato e geração renovável apoiada por subsídios reduziram os custos de energia no atacado. Nesse cenário, a fonte nuclear, cujos custos são em grande parte fixos, tem encontrado dificuldades para competir. Treze reatores foram fechados desde 2013, gerando alertas de que, sem intervenção, metade dos reatores em operação seria desligada até o fim da década.
Contudo, um esforço conjunto do governo federal para apoiar o setor conteve o declínio. A Lei de Infraestrutura Bipartidária, aprovada no fim de 2021, reservou US$ 6 bilhões para sustentar reatores em dificuldades por meio de um programa de crédito nuclear civil. A central nuclear de Diablo Canyon, na Califórnia, tornou-se, em novembro passado, a primeira beneficiária da iniciativa, evitando o fechamento com auxílio de US$ 1,1 bilhão.
A aprovação da Lei de Redução da Inflação em agosto ofereceu mais subsídios federais aos reatores em dificuldades, introduzindo um crédito fiscal de produção de até US$ 15 por megawatt/hora (MWh) para sustentá-los.
“O que testemunhamos nos últimos 12 a 18 meses é um investimento maciço”, apontou Piercy, que estima que as duas leis combinadas poderiam fornecer até US$ 40 bilhões em apoio. O investimento seria o maior desde o início da indústria, nas décadas de 1950 e 1960, quando o Departamento de Defesa aportou muitos recursos em reatores navais, que deram, posteriormente, origem a reatores comerciais de geração de eletricidade.
“Acho que 2022 será lembrado como o ano de um ponto de inflexão positivo para a energia nuclear”, complementou.
Fundos privados também estão injetando recursos rapidamente no setor, à medida que empresas buscam desenvolver reatores que sejam mais ágeis, menores, baratos e seguros que os tradicionais, de grande escala. O Instituto de Energia Nuclear (Nuclear Energy Institute – NEI) estima que mais de US$ 5 bilhões em investimentos privados foram aportados em empresas nucleares avançadas em todo o mundo apenas nos últimos 12 meses.
Fechando o ano, cientistas do governo americano alcançaram um avanço no desenvolvimento da tecnologia de fusão nuclear, vista por muitos como o santo graal energético, alcançando um ganho líquido de energia pela primeira vez.
Ao contrário do processo de fissão que acontece nas usinas nucleares em operação, a fusão poderia, em teoria, fornecer energia ilimitada sem criar rejeitos radioativos de longa duração.
Apesar do avanço, a adoção da fusão e da infraestrutura para apoiá-la ainda está a anos de distância. Mas o apoio à tecnologia decolou nos últimos dois anos, de acordo com Chris Kelsall, executivo-chefe da Tokamak Energy, empresa de fusão nuclear britânica.
“Tem sido uma inflexão palpável no nível de conscientização, interesse e engajamento com a comunidade de investidores – e também uma ampliação perceptível na amplitude, profundidade e diversidade de contrapartes interessadas em participar da jornada de fusão”, explicou. “Há um futuro brilhante para a tecnologia nuclear, tanto na fissão quanto na fusão”, encerrou.
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Autor: Myles McCormick
Foto: Estados Unidos têm a maior frota nuclear do mundo, com 93 reatores de potência / Crédito: Lionel Hahn/ABACA/Reuters
Fonte: Financial Times