Em entrevista concedida à Associação Brasileira de Energia Nuclear (ABEN), o diretor-presidente da Amazônia Azul Tecnologias de Defesa S.A. (Amazul), Antonio Carlos Soares Guerreiro, abordou as atividades da empresa nos escopos dos programas Nuclear da Marinha (PNM), de Desenvolvimento de Submarinos (ProSub) e Nuclear Brasileiro (PNB), bem como no Reator Multipropósito Brasileiro (RMB), que tornará realidade o sonho de nosso País em se tornar autossuficiente na produção de radioisótopos para a Medicina Nuclear.
À frente da empresa desde 2019, o Almirante Guerreiro também detalhou outros projetos na área da saúde, geração de energia, irradiação de alimentos – a qual daria um grande salto no agronegócio brasileiro, fusão nuclear, recursos humanos, gestão e retenção de conhecimento técnico-científico e a parceria da Amazul com a ABEN.
“A tecnologia nuclear é uma área pouco conhecida pela sociedade em geral, e essa falta de familiaridade gera preconceitos e insegurança e provoca a disseminação de informações falsas e distorcidas. Precisamos, cada vez mais, usar a tecnologia nuclear não apenas para gerar energia, mas também para salvar vidas e melhorar a qualidade de vida das pessoas”, finalizou.
Confira, abaixo, a entrevista com o diretor-presidente da Amazul, Antonio Carlos Soares Guerreiro.
A Amazul foi constituída em 2013 como uma empresa flexível com o objetivo de absorver, promover, desenvolver, transferir e manter atividades sensíveis às do Programa Nuclear da Marinha (PNM), do Programa de Desenvolvimento de Submarinos (ProSub) e do Programa Nuclear Brasileiro (PNB). Como a empresa vem cumprindo sua missão?
A Amazul desenvolve tecnologias voltadas para garantir a soberania brasileira no território marítimo, melhorar a saúde e a qualidade de vida da população e proporcionar outros benefícios para a sociedade. Os projetos e empreendimentos de que a empresa participa têm como escopo final a construção do submarino convencional com propulsão nuclear, a geração de energia elétrica, a produção de radiofármacos, o desenvolvimento de dispositivo de assistência ventricular e a conservação e proteção de alimentos, dentre outros.
Em relação ao PNM, qual a participação da Amazul?
A Amazul vem assumindo cada vez mais responsabilidades no PNM, principalmente em relação ao desenvolvimento e construção do Laboratório de Geração Nucleoelétrica. Conhecido como Labgene, trata-se do protótipo, em terra e em escala real, dos sistemas de propulsão que serão instalados no futuro submarino convencional com propulsão nuclear, a fim de possibilitar a simulação, em condições ótimas de segurança, da operação do reator e dos diversos sistemas eletromecânicos a ele integrados, antes de sua instalação a bordo do submarino.
O primeiro desafio do PNM já foi superado, com o domínio do ciclo do combustível nuclear. Agora, a tarefa é projetar, construir, comissionar, operar e manter reatores nucleares do tipo PWR (Pressurized Water Reactor). Essa tecnologia pode ter emprego dual: ser usada tanto para a propulsão naval quanto para a geração de energia elétrica. Na realidade, o reator que está sendo desenvolvido para o submarino com propulsão nuclear é um verdadeiro small nuclear reactor, equipamento que tem grande potencial para ser usado na geração de energia em regiões remotas, principalmente em um país continental como o Brasil.
E em relação ao ProSub?
O ProSub foi criado em 2008, por meio de parceria entre Brasil e França, com o objetivo principal de desenvolver quatro submarinos convencionais e um submarino convencional com propulsão nuclear, indispensáveis para a defesa da soberania do País e a proteção das águas jurisdicionais brasileiras, a nossa Amazônia Azul.
Dentro do ProSub, a Amazul está comprometida com a capacitação de pessoal e a busca de parcerias com empresas para aumentar o grau de nacionalização dos submarinos, que são eixos estruturais do programa, contribuindo, também, para o fortalecimento da base industrial de defesa nacional. Atualmente, por meio de acordos de cooperação técnica, ajuda a desenvolver tecnologias como o sistema integrado de gerenciamento de plataforma e o sistema de combate de submarinos.
O ProSub contempla, ainda, a construção de um complexo de infraestrutura industrial e de apoio à operação dos submarinos, que engloba o Estaleiro, a Base Naval e a Unidade de Fabricação de Estruturas Metálicas (Ufem) no Município de Itaguaí (RJ). A concretização do ProSub também fortalece setores da indústria nacional de importância estratégica para o desenvolvimento econômico do País. Priorizando a aquisição de componentes fabricados no Brasil, o programa é um forte incentivo ao nosso parque industrial.
A Amazul e a empresa argentina Invap concluíram o projeto detalhado do tão aguardado Reator Multipropósito Brasileiro (RMB) que, entre diversas outras finalidades, deverá tornar o País autossuficiente na produção de radioisótopos, insumos para radiofármacos utilizados na Medicina Nuclear. Qual o papel da Amazul no desenvolvimento do RMB?
Dentro do Programa Nuclear Brasileiro, o RMB está na alçada do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) e gerido pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen). Em dezembro de 2021 foi concluído o projeto detalhado do RMB pela Amazul e pela empresa argentina Invap, dentro do convênio de parceria técnica com a Cnen.
O projeto de engenharia de detalhamento do RMB inclui, além do reator propriamente dito, as estruturas, sistemas e componentes do complexo que abrange prédios e outras instalações. Devido à complexidade do empreendimento, o trabalho envolveu a elaboração de 3.842 documentos pela Amazul e a verificação de outros 5.348 elaborados pela Invap, responsável pelo projeto relativo ao prédio do reator.
Para a realização do projeto, foi fundamental a expertise da Amazul em 13 áreas de conhecimento de engenharia em geral e sete de tecnologia nuclear, além da alta qualificação de seus profissionais.
Nessa etapa, foram liberados pelo MCTI, por meio da Finep – Financiadora de Estudos e Projetos, da ordem de R$ 150 milhões. Os responsáveis pelo empreendimento estão realizando gestões para a obtenção de recursos para o início das obras de construção.
Com o RMB, o País sairá da condição de importador de radioisótopos para uma maior autonomia e eventual posição de exportador, além de se tornar um polo de desenvolvimento de novos radiofármacos de interesse nacional.
A principal função é tornar o Brasil autossuficiente na produção de insumos, hoje importados, para a fabricação de radiofármacos usados no diagnóstico e no tratamento do câncer e outras doenças. Mas o RMB também produzirá traçadores que são empregados em pesquisas em agricultura, indústria, proteção do meio ambiente e biologia. Permitirá, por exemplo, testar materiais e combustíveis nucleares, localizar fissuras em superfícies como asas de avião ou verificar a quantidade de agrotóxicos contida em alimentos.
Certamente, a Amazul participará de outras fases do empreendimento.
Quais os outros projetos na área da saúde que a Amazul participa?
Na área de Medicina Nuclear, a Amazul participa também da implantação de um programa de modernização no Centro de Radiofarmácia do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), em São Paulo, em parceria com a Cnen, que garante a produção e distribuição de radiofármacos para todo o País, contribuindo com a melhoria da qualidade de vida de milhares de brasileiros.
O uso dual da tecnologia das ultracentrífugas, empregadas para o enriquecimento do urânio, está presente em projetos voltados para melhorar a saúde e salvar vidas. A Amazul mantém uma parceria com o Instituto do Coração – Incor para desenvolver um dispositivo de assistência ventricular (DAV), que auxilia o bombeamento de sangue em pacientes com insuficiência cardíaca que estão na fila de espera do transplante. Com isso, o paciente ganha uma sobrevida para aguardar o novo coração, sem necessidade de recorrer a dispositivos importados de elevadíssimo custo.
Um dos vetores principais do Programa Nuclear Brasileiro é a geração de energia nuclear para diversificar a matriz energética do País. Qual a atuação da Amazul para garantir a segurança energética?
O conhecimento gerado pelo PNM permite à Amazul o uso das tecnologias para fins não militares, dentro do Programa Nuclear Brasileiro, como a geração de energia. Junto com a Marinha, a Amazul fabrica ultracentrífugas destinadas ao enriquecimento de urânio, que é transformado em combustível nuclear pela Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e enviado às usinas de Angra.
Ainda para a INB, projeta a ampliação da Usina Comercial de Enriquecimento de Urânio (Uceu) em Resende (RJ), dentro do programa da estatal de abastecer as usinas de Angra com combustível nuclear.
Em parceria com a Eletronuclear, participa do projeto de extensão da vida útil da Usina Nuclear Angra 1 e está capacitada para participar da retomada das obras de Angra 3.
A tecnologia adotada na construção do protótipo do reator nuclear para a propulsão naval em Iperó permite, também, desenvolver pequenos reatores (small nuclear reactors) que podem ser uma das alternativas para diversificar a matriz energética brasileira e levar energia a regiões mais isoladas do País, a custos competitivos.
O Plano Nacional de Energia (PNE) 2050 e o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2031 preveem novas usinas nucleares para os próximos anos. Qual o papel que a Amazul pode exercer dentro do contexto de expansão da fonte nuclear no País – oito a dez gigawatts, além de Angra 3 – nestas três décadas?
Com suas expertises, a Amazul tem potencial para participar em várias fases de qualquer empreendimento nuclear. Afinal, a empresa está capacitada para atuar nas áreas de Engenharia Nuclear, desenvolvimento de tecnologias nucleares, segurança nuclear, Medicina Nuclear, licenciamento e comissionamento nuclear, gerenciamento de projetos, operação de instalações nucleares, gestão do conhecimento e da inovação e gestão de pessoas.
A empresa também prospecta um negócio de irradiação de alimentos?
Em parceria com o Ministério da Agricultura, instituições de pesquisa, o Ipen e a iniciativa privada, a Amazul realiza tratativas para a implantação de centros de irradiação industrial no Brasil, notadamente na área de alimentos. A irradiação é uma técnica eficiente na conservação dos alimentos, que permite reduzir as perdas naturais causadas por processos fisiológicos (brotamento, maturação e envelhecimento), eliminar ou reduzir micro-organismos, parasitas e pragas, sem provocar nenhum prejuízo aos alimentos, tornando-os, também, mais seguros ao consumidor.
A irradiação de alimentos poderá impulsionar ainda mais as exportações do agronegócio no País. Para se ter uma ideia, o Brasil é o 3º maior produtor de frutas do mundo, mas apenas o 23º maior exportador. Daí o potencial desses centros de irradiação de alimentos para atender a demandas do agronegócio.
De acordo com as normas estabelecidas pelo Ministério da Saúde, não há problema algum em consumir alimentos irradiados. Pelo contrário, a irradiação é um método de conservação eficiente que elimina micro-organismos patogênicos que poderiam causar doenças. Nenhum resíduo de radioatividade permanece no alimento processado, como também nenhum efeito adverso é observado na qualidade nutricional quando são empregadas doses adequadas de radiação.
A tecnologia da irradiação é aplicada em outras áreas, como para a higienização de fraldas descartáveis, preservação e conservação de documentos históricos, livros e documentos históricos e muitas outras aplicações.
Em fevereiro deste ano, a Amazul promoveu encontro sobre fusão nuclear com a presença de professores do Laboratório de Física de Plasmas do Instituto de Física (IF) e do Laboratório de Automação e Controle (LAC), da Escola Politécnica, da Universidade de São Paulo (USP). De que modo o senhor acredita que a Amazul pode contribuir nesse campo?
Os estudos e pesquisas de fusão nuclear ainda são incipientes não só no Brasil, mas no resto do mundo. A tecnologia é vista como potencial para gerar quantidades ilimitadas de energia de baixo carbono e baixa radiação. Porém, no momento, os empreendimentos ainda estão no nível de laboratórios. O objetivo do encontro foi atualizar informações sobre o que vem sendo feito no Brasil e no mundo nesse sentido.
A Amazul está realizando concurso público com vistas a fortalecer ainda mais o seu quadro de pessoal. Atualmente, quantos funcionários trabalham na Amazul e qual a efetiva previsão de expansão?
Hoje, a Amazul tem cerca de 1.650 empregados, mas está autorizada pela Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais a ampliar o quadro até 1.998 pessoas. No momento, a empresa está realizando um concurso para recrutar 140 profissionais, além de fazer um cadastro de reserva, para atender aos projetos estratégicos do PNM, ProSub e PNB. As contratações serão feitas de acordo com as demandas dos programas.
Ainda com relação a recursos humanos, a Amazul possui um reconhecido modelo de gestão do conhecimento para reter e proteger o conhecimento crítico desenvolvido no longo prazo pela Marinha na área de tecnologia nuclear e de construção de submarinos. Em que consiste esse trabalho?
A metodologia de gestão do conhecimento foi criada pela Amazul, em parceria com a Marinha, e homologada como produto estratégico de defesa pelo Ministério da Defesa. Essa metodologia já foi aplicada em plantas industriais e áreas de projetos e de ensino determinadas pela Marinha pelo seu conhecimento crítico e, nos últimos cinco anos, impactou mais de 240 pessoas, entre civis e militares. Atualmente, a implementação se dá no Centro de Desenvolvimento de Submarinos e no Departamento de Segurança Nuclear.
O modelo é versátil e pode ser aplicado em diversas áreas, com características distintas. Alinhada com modelos de mercado, a metodologia é aplicada em fases, com encadeamento lógico que vai desde o diagnóstico de maturidade em gestão do conhecimento até um plano de ação com recomendações de ações de mitigação de riscos, com prazos e responsáveis definidos.
Durante as atividades de implantação da metodologia, são mapeados processos, pessoas-chave e conhecimentos críticos. Essa estruturação de informações tem o objetivo de apoiar a tomada de decisão em temas como desenvolvimento de pessoas, sucessão e necessidade de ações para a preservação do conhecimento.
A metodologia da Amazul recebeu o 17º Prêmio Learning & Performance 2018/2019 pelo projeto-piloto na Unidade de Produção de Hexafluoreto de Urânio, em Aramar; o Prêmio Categoria Especial do Programa Netuno 2019 – projeto na Assessoria de Meio Ambiente, no Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP); e o prêmio Profissional de GC Revelação de 2019, eleito pela Comunidade de Prática de Maturidade da Sociedade Brasileira de Gestão do Conhecimento (SBGC).
Como enxerga a parceria da Amazul com a ABEN?
A tecnologia nuclear é uma área pouco conhecida pela sociedade em geral, e essa falta de familiaridade gera preconceitos e insegurança e provoca a disseminação de informações falsas e distorcidas. Precisamos, cada vez mais, usar a tecnologia nuclear não apenas para gerar energia, mas também para salvar vidas e melhorar a qualidade de vida das pessoas. Devemos mostrar para a sociedade que a energia nuclear é uma fonte segura e que ajuda na proteção do meio ambiente, pois não produz gases de efeito estufa. Por isso, o setor nuclear precisa de uma entidade como a ABEN, que tem a missão de difundir informações sobre as aplicações pacíficas da tecnologia nuclear em diferentes áreas. A Amazul está à disposição da ABEN nesse trabalho de fazer a intermediação entre a comunidade nuclear e a sociedade brasileira.
Fotos do Almirante Guerreiro: Eugenio Goulart
Maquete do RMB: Divulgação