Dessalinização via tecnologia nuclear pode superar escassez de água?

Dessalinização via tecnologia nuclear pode superar escassez de água?

Há comunidades em todos os continentes que enfrentam a falta de água, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU).

Infelizmente, embora nosso planeta seja coberto por oceanos e mares, apenas uma pequena fração da água da Terra – cerca de 2,5% – é doce, e a demanda por água potável deverá exceder a oferta em trilhões de metros cúbicos até 2030.

As usinas de dessalinização, que removem o sal da água marinha, podem ajudar a fornecer a água doce necessária.

No entanto, essas plantas são consideradas uma das formas mais caras de criar água potável, pois bombeiam grandes volumes através de membranas sob alta pressão, o que é considerado um processo industrial extremamente eletrointensivo.

Uma solução radical para a questão poderia ser o uso de embarcações flutuantes equipadas com sistemas de dessalinização. Alimentadas por reatores nucleares, elas podem navegar para ilhas ou litorais atingidos pela seca, proporcionando acesso à água potável e à energia a populações locais.

“É possível fazer com que esses navios se movam de forma intermitente, enchendo tanques”, declarou Mikal Bøe, executivo-chefe da Core Power, companhia que desenvolveu projeto para esse tipo de usina de dessalinização.

Pode parecer absurdo, mas a Marinha dos EUA forneceu serviços de dessalinização durante desastres no passado, com a ajuda de seus navios movidos a energia nuclear, enquanto a Rússia já possui uma usina nuclear flutuante – Akademik Lomonovosov – projetada para suprir energia a instalações de dessalinização.

Atualmente existem cerca de 20 mil usinas de dessalinização em todo o mundo, quase todas instaladas em terra. A maior parte está localizada na Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Kuwait, com outras plantas operando em países como Reino Unido, China, EUA, Brasil, África do Sul e Austrália.

Contudo, alguns engenheiros creem que seria mais barato utilizar a tecnologia de dessalinização no mar (offshore), onde a água pode ser bombeada com maior facilidade.

Usina de dessalinização da Core Power
Core Power está desenvolvendo usinas de dessalinização offshore que funcionam com energia nuclear / Crédito: Core Power

Por décadas, engenheiros almejam construir sistemas flutuantes de dessalinização abastecidos por energia nuclear.

Tecnologia da Core Power

A Core Power quer usar uma pequena embarcação do tipo “porta-contêineres”, mas empilhando contêineres a bordo com a tecnologia. O reator nuclear ficaria no “coração” do navio, fornecendo a enorme quantidade de eletricidade necessária.

Os navios de dessalinização nuclear da empresa podem possuir níveis variados de produção de energia, oscilando de cinco a até 70 megawatts (MW), segundo Mikal Bøe. Com o valor mínio de 5 MW, seria possível bombear 35 mil m³ – volume equivalente ao de 14 piscinas olímpicas – de água doce todos os dias.

Para retirar o sal da água do mar, a tecnologia de dessalinização empurra o líquido tratado por meio de uma membrana semipermeável sob pressão. A osmose – movimento da água ocasionado por diferenças na pressão – remove os minerais, resultando em água doce e em água particularmente salgada, conhecida como salmoura.

Existem diferentes versões dessa tecnologia, mas o fundamental é que a mesma se tornou mais eficiente ao longo dos anos. Entretanto, os sistemas flutuantes de dessalinização permanecem relativamente raros. A Arábia Saudita é uma exceção, pois recebeu recentemente a primeira de três barcaças de dessalinização, a maior já construída.

Usinas flutuantes de dessalinização podem finalmente “decolar”?

Usina de dessalinização em terra
Plantas flutuantes podem ser mais baratas do que unidades em terra, que precisam bombear a água do mar a distâncias significativas / Crédito: Getty Images

A empresa Oisann Engineering, que desenvolveu um sistema chamado Water Fountain, espera que sim. Ela possui diversos projetos, que vão de grandes navios a pequenas boias, mas todos trabalham com o mesmo princípio, explicou seu diretor administrativo, Kyle Hopkins.

No entanto, a grande diferença é que, em vez de usar a fonte nuclear, todos eles utilizam a chamada dessalinização submarina, uma tecnologia conhecida a décadas. “[A tecnologia] nunca foi comercializada porque você ainda precisa de bombas submarinas para facilitar o transporte da água para a superfície”, informou Hopkins. E completou: “Nós removemos a bomba”.

O executivo se recusa a detalhar o mecanismo de funcionamento, mas adiantou que o sistema Water Fountain aproveita, como um todo, a maior pressão no fundo do mar para movimentar a água, sem incorrer em altos custos energéticos.

Ele também mencionou que o oleoduto do navio até a costa, onde a água doce deve finalmente ir, poderia ser elevado a fim de que a gravidade auxilie o fluxo d’água, reduzindo a necessidade de energia extra.

Na visão de Hopkins, a tecnologia poderia ser, aproximadamente, 30% mais eficiente em energia do que uma instalação tradicional de dessalinização em terra. A empresa está atualmente construindo uma versão em miniatura de um de seus projetos e espera estabelecer sua primeira instalação comercial nas Filipinas em 2023.

Projeto de usina de dessalinização da Water Fontain
Water Fountain planeja boias offshore que utilizam a alta pressão no fundo do mar / Crédito: Water Fontain/Oisann Engineering

Desafios da dessalinização

Ideias como essa e o projeto da Core Power são “promissoras”, analisou a chefe do Laboratório de Tecnologia de Energia Sustentável da Universidade de Birmingham (Reino Unido), Raya Al-Dadah. No entanto, ela frisou que a dessalinização flutuante tem prós e contras. Ainda existem desafios em termos de bombear a água dessalinizada para terra e em encontrar uma força de trabalho com experiência tanto em dessalinização quanto no mar propriamente.

Em última análise, a humanidade precisa de mais recursos hídricos, defendeu Raya Al-Dadah, sobretudo por causa dos efeitos esperados das mudanças climáticas, caso o mundo aqueça 1,5°C. “Isso terá um impacto catastrófico na água”, finalizou.

A especialista Amy Childress, da Universidade do Sul da Califórnia (EUA), falou que sistemas menores de dessalinização em terra podem ajudar a reduzir o impacto ambiental da tecnologia.

Isso porque a água altamente salgada pós-dessalinização é tóxica para a vida marinha e as instalações atuais produzem grandes quantidades da substância – o processo gera, na verdade, mais salmoura que água potável.

O diretor administrativo da Oisann Engineering, Kyle Hopkins, defende que o subproduto esperado do sistema Water Fountain não será salgado o suficiente para ser classificado como salmoura.

A aplicação mais significativa de sistemas flutuantes de dessalinização pode ser no alívio de desastres, declarou o codiretor do Centro de Inovação Luskin da Universidade da Califórnia (EUA), Greg Pierce.

Atualmente, “estamos voando e transportando água engarrafada por caminhão, e isso é a coisa mais ineficiente possível”, explicou. “Se a dessalinização flutuante puder resolver isso, serei a favor”, completou.

No entanto, ele questionou a rentabilidade em outros contextos – e observou que existem muitas outras maneiras de garantir o abastecimento de água potável. Na Califórnia, por exemplo, Greg Pierce estima que algumas medidas poderiam conservar em cerca de 30% a 40% a água atualmente consumida no estado norte-americano.

Povos provavelmente também recorrerão a medidas como reciclagem de água ou tratamento de águas pluviais. Mas, se isso ainda não for suficiente, a dessalinização, não importa o custo, começa a parecer inevitável em algumas partes do globo, adicionou.

Por enquanto, o projeto da Core Power existe apenas no campo teórico. Mas o executivo-chefe da empresa espera que, dentro de uma década, um sistema comercial esteja em operação. A necessidade, enfatizou Mikal Bøe, continuará.

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Leia a notícia original, em inglês, aqui.

Autor: Chris Baraniuk
Foto destaque: Escassez de água pode ser um problema crescente / Crédito: Getty Images

Fonte: BBC News