Comissão Europeia aprova proposta que considera energia nuclear e gás natural ‘sustentáveis’, enfurecendo ambientalistas | Com comentário da Aben

Comissão Europeia aprova proposta que considera energia nuclear e gás natural ‘sustentáveis’, enfurecendo ambientalistas | Com comentário da Aben

UE espera que fontes de energia possam ser importantes para transição energética, mas ativistas ambientais consideram proposta contrária ao necessário para evitar catástrofe climática

O Globo e agências internacionais

BRUXELAS – A Comissão Europeia, órgão Executivo da União Europeia (UE), aprovou nesta quarta-feira (02/02) sua proposta para designar o gás natural e a energia nuclear como fontes “sustentáveis” de energia, após mais de um ano de atrasos e trocas de acusações entre os países-membros.

A UE espera que a inclusão das fontes de energia em uma lista com o selo verde possa impulsionar uma onda de investimentos privados em novos projetos nucleares e de gás, e que eles podem ter papel importante durante a transição para energias sustentáveis.

Os planos, no entanto, enfurecem ativistas climáticos e motivam críticas de governos de vários países do bloco, que consideram as iniciativas na contramão das medidas necessárias para parar o aquecimento global e negativas para o desenvolvimento de uma economia verde.

A aprovação do sistema de classificações ambientais — chamado de taxonomia — é muito aguardada por investidores, que desejam saber quais áreas são consideradas investimentos verdes.

As divisões entre os membros do bloco ficam evidentes com o plano, cuja plena adoção ainda depende de alguns meses de processo burocrático. As matrizes energéticas dos países variam muito entre si, e muitas vezes um país usa fontes diversas.

A Holanda e a Dinamarca se opõem à inclusão do gás natural porque não dependem dessas usinas, enquanto a Alemanha, fortemente dependente do gás, a defende com vigor, enquanto critica o rótulo verde para a energia nuclear. Desde o acidente em Fukushima, em 2011, o Estado alemão tem progressivamente fechado suas usinas atômicas, e atualmente só há três em operação.

A França, por sua vez, busca expandir o seu uso da energia nuclear, cujas emissões de carbono, uma vez construídas as usinas, são insignificantes, mas que geram rejeitos radioativos e podem provocar acidentes em vastíssima escala. Cerca de 70% da energia francesa já vem de usinas nucleares, e o país planeja agora investir em microrreatores.

Apenas quatro países— Espanha, Áustria, Dinamarca e Luxemburgo — manifestaram oposição tanto ao gás quanto à energia nuclear. É improvável, no entanto, que barrem o plano, porque seria necessária a rejeição de pelo menos 20 dos 27 Estados-membros para vetá-lo no Conselho Europeu, que representa os países, e a maioria dos outros Estados-membros deve endossá-lo.

Outra maneira de vetar o plano seria se a maioria do Parlamento Europeu, que tem 700 membros, votasse contra a proposta. O órgão tem quatro meses para analisá-la, e sua rejeição é improvável.

Na apresentação da iniciativa em Bruxelas, a comissária europeia para serviços financeiros, Mairead McGuinness, disse que “devemos usar todas as ferramentas à nossa disposição, porque temos menos de 30 anos” para alcançar a ambiciosa neutralidade de carbono.

— Acredito que encontramos um equilíbrio entre opiniões fundamentalmente diferentes — disse McGuinness. — O objetivo é um futuro de baixo carbono alimentado por energia renovável. Ainda não temos capacidade para isso.

Não há consenso se o gás natural — um combustível fóssil de contribuição significativa para a mudança climática — deve ou não ter um papel durante a transição para energias renováveis, nem por quanto tempo.

O gás natural normalmente emite menos dióxido de carbono do que o carvão, mas seus críticos argumentam que a prioridade total deve ser o aumento das energias renováveis, e que apoiar novos projetos de gás apenas prolongará a vida útil do combustível fóssil.

A Comissão Europeia apresentou nos últimos minutos de 2021 um rascunho da proposta, e os governos tiveram até o dia 21 de janeiro para apresentar sugestões de mudanças.

Houve pequenas alterações no texto. O rascunho concedia um rótulo verde às usinas de energia movidas a gás até 2030 se atendessem a alguns critérios, incluindo limites de emissões e uma exigência de usar progressivamente gases de baixo carbono — como o biometano e o hidrogênio — a partir de 2026, até alcançar o índice de 100% de gases de baixo carbono em 2035.

As regras finais incluem a exigência relacionada a gases de baixo carbono de 2035, mas não a regra de 2026.

Na terça-feira, Áustria, Dinamarca, Suécia e Holanda publicaram uma carta conjunta contra a inclusão do gás na chamada taxonomia, em um esforço de última hora para retirar a fonte de energia. Os quatro países disseram que não há evidências científicas que permitam a sua inclusão.

Opositor ferrenho da energia nuclear, o chanceler da Áustria, Karl Nehammer, disse em uma rede social que pode considerar uma ação legal questionando a inclusão da energia nuclear no plano. Em um comunicado, o ministro das Finanças austríaco, Magnus Brunner, disse que a inclusão do gás “é extremamente lamentável para o desenvolvimento urgentemente necessário de um mercado de finanças verdes”.

A União Europeia é considerada uma líder global em iniciativas para conter a mudança do clima e suas políticas inspiram outros países.

A bancada dos Verdes no Parlamento Europeu disseram nesta quarta-feira que tentarão reunir uma maioria na assembleia para rejeitar a proposta.

— A Comissão está cometendo um erro histórico com esta proposta. A Europa está desistindo de sua liderança global em finanças verdes — disse Bas Eickhout, vice-presidente holandês da bancada. — A Europa diz que o gás fóssil está bom por 10 anos. Qual mensagem isso transmite, por exemplo, aos países africanos que também estão pensando em seu futuro energético?

A Plataforma de Finanças Sustentáveis, um grupo consultivo da Comissão, recentemente criticou o projeto de critérios para o gás, dizendo que poderia minar a meta da UE de alcançar a neutralidade de carbono até 2050.

A consultoria também disse que não está claro como o bloco lidará com possíveis problemas ambientais e impactos do lixo nuclear. Vários investidores e credores, incluindo o Banco Europeu de Investimento, disseram que provavelmente evitarão as tecnologias em seus portfólios de investimentos.

— Mesmo que algo esteja na taxonomia [da UE], como o gás natural ou a energia nuclear, isso não significa que temos que ir lá e comprá-lo — disse à Bloomberg Isobel Edwards, analista de títulos verdes da NN Investment Partners. — Nossos clientes esperam certos tipos de investimentos, como energia renovável, transporte limpo e edifícios verdes, então não poderíamos simplesmente começar a comprar energia nuclear e gás natural.

Foto: Usina nuclear de Gundremmingen, no sul da Alemanha | LENNART PREISS / AFP

Fonte: O Globo (a matéria original está disponível aqui

ABEN OPINA

A inclusão da energia nuclear como verde pela UE será um passo na direção certa. Só a energia nuclear é capaz de efetivamente prover eletricidade, calor ou energia para a produção de hidrogênio para a descarbonização. As outras formas podem até ter lá seus aspectos positivos, mas só a nuclear provê o nível de confiabilidade e disponibilidade para prover a base de uma economia estável. Neste momento, por exemplo, Portugal está passando por uma seca que está obrigando a interrupção das hidroelétricas, a fim de assegurar a disponibilidade de água para o consumo humano. O parque eólico deles é impressionante, mas não está sendo suficiente. Resultado: as termoelétricas estão sendo acionadas. A de Abrantes, nessa época do ano em que o ar está muito frio e seco, gera uma nuvem fétida que fica retida no vale em que a usina fica. Portugal se beneficiaria muitíssimo se optasse pela instalação de reatores modulares de pequeno porte distribuídos em uma rede integrada pelos distritos.

Tuxaua Quintella de Linhares – conselheiro fiscal da Aben (Instituição: Agência Naval de Segurança Nuclear e Qualidade – AgNSNQ – Marinha do Brasil)