A catástrofe energética da Alemanha

A catástrofe energética da Alemanha

Com a política da “Energiewende” (transição energética), a Alemanha visa descarbonizar sua economia e liderar o mundo substituindo combustíveis fósseis e usinas nucleares por energia renovável. Ela é a primeira grande nação a empreender tal esforço e, como esperado, sua adoção antecipada de energias renováveis catalisou uma queda espetacular nos custos dessas tecnologias. Um repórter resumiu as atitudes alemãs em relação à Energiewende, escrevendo: “Os alemães finalmente sentiriam que passaram de destruidores do mundo no século 20 a salvadores do mundo no século 21”.

A Energiewende ganhou apoio legislativo em 2010, e a Alemanha gastou quase 202 bilhões de euros em projetos de energia renovável de 2013 a 2020. Desde 2010, a parcela da geração de eletricidade alemã oriunda das fontes solar e eólica aumentou de 8% para 31%.

Entretanto, a invasão russa na Ucrânia externou fraquezas críticas na política energética germânica. Antes da guerra, a Alemanha importava 55% de gás natural da Rússia. Embora essa porcentagem tenha caído desde o início da guerra, a União Europeia (UE) optou por não proibir as importações do gás russo porque esse combustível fóssil é muito crucial para países do bloco, como a própria Alemanha. Sem surpresa, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, tem usado o fornecimento de gás para exercer influência sobre o país e o bloco europeu. A Rússia recentemente cortou, em 60%, os fluxos no oleoduto Nord Stream 1, que a conecta à Alemanha.

Para piorar, o Nord Stream 1 está inoperante há dias em virtude de manutenção programada. Putin usou essa justificativa como pretexto para a redução inicial nos fluxos de gás do Nord Stream 1, provocando temores dos líderes alemães de que a Rússia simplesmente se recusará a reabrir o gasoduto após a manutenção. Se as exportações de gás natural para a Alemanha forem cortadas de vez, provavelmente o país mais rico da UE e quarto do mundo enfrentará uma grave recessão.

Resposta alemã

Nesse contexto, líderes alemães consideraram reabrir usinas térmicas a carvão fechadas para fortalecer a economia e a segurança nacional. O carvão é a fonte de eletricidade mais poluente, liberando mais emissões de gases de efeito estufa e partículas mortais no ar do que qualquer outro combustível. Aumentar a produção de carvão é uma falha política condenatória. Como o principal campeão mundial de energia renovável se encontrou em tal situação?

A verdade é que a Energiewende estava fadada ao fracasso desde o início. A Alemanha apostou alto nas fontes solar e eólica e fechou suas usinas nucleares, quando deveria ter feito o contrário, expandindo o programa nucleoelétrico. A ideologia antinuclear da Alemanha é tão rígida que o país fechou três plantas nucleares em dezembro de 2021, apesar da crise energética global, e planeja fechar os últimos reatores em dezembro próximo, mesmo com a extorsão energética da Rússia.

Problemas das renováveis

As energias solares e eólicas têm falhas inerentes que as impedem de formar a espinha dorsal da rede elétrica de uma nação industrializada. Essas fontes exigem quase 100% de backup porque dependem dos caprichos do clima. Basta ver como as gerações solar e eólica flutuam. Em 2019, a energia eólica em um dia subiu para 59% da geração de energia alemã, mas caiu para 2,6% em outro dia do ano. Também em 2019, a energia solar atingiu um pico de 25% e atingiu o fundo de 0,3%.

Para controlar essas oscilações e fornecer energia confiável, os defensores das renováveis argumentam que baterias e hidrogênio podem armazenar eletricidade e despachá-la quando usinas solares e eólicas não estão produzindo. O maior programa de armazenamento de bateria da Alemanha são seus sistemas de armazenamento doméstico, mas anos de instalações de armazenamento de bateria quase não causaram impacto na rede alemã. Atualmente, o país tem cerca de 435 mil residências equipadas com sistemas de armazenamento de bateria de várias capacidades e 145 mil sistemas de armazenamento doméstico foram instalados em 2021. Contudo, existem 40 milhões de residências na Alemanha, e os sistemas de armazenamento de bateria doméstica geralmente duram apenas algumas horas, enquanto a rede precisa de armazenamento que pode suportar variações com duração de semanas.

Adicionalmente, o armazenamento de qualquer tipo acarreta em perdas de energia, aumentando os custos totais, uma vez que a rede foi originalmente projetada para funcionar sem precisar disso. O custo e a ineficiência inerente são os principais problemas enfrentados pelo hidrogênio.

Outra questão essencial é que as fontes eólica e solar não têm densidade de energia. Uma fonte de energia com baixa densidade ocupa mais espaço e materiais físicos para gerar eletricidade do que uma fonte com alta densidade energética. Usinas solares na Alemanha ocupam aproximadamente 500 vezes mais terra do que nucleares, e as turbinas eólicas ocupam 415 vezes mais.

Os altos custos da terra acabam por desencadear uma intensa oposição local. A maioria das pessoas não quer morar perto de infraestrutura elétrica, e as energias renováveis têm mais probabilidade de estar perto de pessoas do que fontes densas de energia, como a nuclear. Na Alemanha, apenas 12% dos 7.700 quilômetros de transmissão necessários para a Energiewende foram construídos em 2019, em parte por causa da oposição local. O ritmo lento da expansão da transmissão e uma forte desaceleração na construção de turbinas eólicas levaram a revista Der Spiegel a determinar que o “boom da energia eólica acabou”.

Energia nuclear no tabuleiro

As energias renováveis não podem descarbonizar ou alimentar uma economia moderna. Há apenas uma fonte de energia limpa que pode substituir os combustíveis fósseis em escala, com o mínimo de uso da terra e impactos ambientais: a nuclear.

A energia nuclear é a maneira mais segura de produzir eletricidade confiável, de acordo com pesquisa publicada na conceituada revista científica The Lancet. Já a tradicional revista estadunidense Forbes publicou, em junho de 2012, um artigo sobre o número de mortes diretamente atreladas à produção de energia por fonte, indicando que a nuclear é a menos mortal (o ranking decrescente é composto por carvão/linhito, petróleo, gás, biomassa, fotovoltaica, eólica, hídrica e nuclear).  No ano seguinte, pesquisadores da Nasa e da Universidade de Columbia (EUA) conduziram estudo o qual descobriu que a energia nuclear salvou 1,8 milhão de vidas ao evitar a queima de combustíveis fósseis. Assim, pode-se afirmar que a Energiewende contribuiu efetivamente para mortes evitáveis ao fechar usinas nucleares em vez de centrais movidas a carvão.

E os acidentes nucleares? O acidente nuclear de Chernobyl, ocorrido em 1986, na Ucrânia moderna (antiga União Soviética) é o mais mortal na história da tecnologia. Mas, o número de mortos é menor do que você imagina. A ONU concluiu que 28 bombeiros morreram de síndrome de radiação aguda, e está documentado que 15 pessoas morreram de câncer de tireoide em 2008. A ONU prevê outras 50 a 160 mortes ao longo de uma vida útil de oitenta anos.

Essas mortes são trágicas, mas para colocar em perspectiva, entre 170 mil e 230 mil pessoas morreram na China em 1975, quando a barragem de Banqiao desabou. O número de mortos de Chernobyl é pequeno porque a radiação causou apenas câncer de tireoide, que é um dos cânceres mais tratáveis e que requer cuidados médicos básicos.

O acidente nuclear de março de 2011 em Fukushima-Daiichi, no Japão, levou a então chanceler alemã Angela Merkel a reverter sua decisão de adiar em uma década o fechamento de usinas nucleares. Como Chernobyl, Fukushima tem sido muito menos mortal do que as pessoas acreditam. De fato, até onde sabemos, apenas uma pessoa morreu de radiação devido ao colapso da central nuclear nipônica. A maioria dos expostos à radiação recebeu doses equivalentes à radiação de fundo natural.

Rejeitos nucleares são uma grande preocupação que as pessoas têm sobre a tecnologia. No entanto, nunca fizeram mal a ninguém em 60 anos de existência da tecnologia nuclear civil. As piscinas de resfriamento e os barris de concreto e aço que armazenam rejeitos nucleares são altamente eficazes.

Usinas nucleares ocidentais atualmente ultrapassam custos e prazos. Em um caso típico, a empresa francesa EDF começou a construir dois novos reatores no Reino Unido em 2017 a um custo estimado de US$ 22,5 bilhões, mas, posteriormente, o orçamento foi aumentado para US$ 33 bilhões.

No entanto, o custo de construção de usinas nucleares não precisa ser exorbitante. Um estudo de 2015 conduzido dois economistas franceses examinou a construção nuclear anterior na França e nos EUA e descobriu que a única maneira de controlar custos seria construir o mesmo projeto com a mesma equipe repetidamente. Isso é o que os EUA e a França fizeram no passado, e qualquer país que siga esse caminho pode ter sucesso. A construção nuclear em escala é rentável.

Descarbonização

Apesar dos altos custos de construção, a eletricidade gerada por usinas nucleares geralmente é acessível porque a operação das usinas é barata. Por outro lado, integrar quantidades substanciais de energias renováveis é caro. Até 2025, a Alemanha terá desembolsado cerca de US$ 580 bilhões na Energiewende. De acordo com uma análise do think tank Progresso Ambiental, se a Alemanha gastasse esses recursos em novas usinas nucleares em vez de plantas de fontes renováveis, o país teria uma rede elétrica 100% livre de emissões, bem como energia limpa suficiente para alimentar carros e caminhões leves, descarbonizando radicalmente o setor de transporte.

A energia nuclear pode descarbonizar uma nação rapidamente. Por causa da crise do petróleo de 1973, a França embarcou na transição energética mais rapidamente que qualquer grande economia, investindo justamente em usinas nucleoelétricas. Em 15 anos, o país europeu abriu 56 reatores de potência. Desse modo, a França passou a gerar 76% de sua energia a partir da fonte nuclear. Hoje, cerca de 70% da eletricidade francesa é via tecnologia nuclear, alçando o país ao grau de mais “nuclearizado” do mundo, em termos proporcionais.

No entanto, a situação atual da França mina sua reputação como uma história de sucesso. Cerca de metade dos 56 reatores nucleares da França estão atualmente desligados, um recorde negativo para o país. Eles estão fora de serviço devido a verificações de segurança atrasadas e outros imprevistos. Normalmente, a França é um exportador líquido de energia, mas pode ter que importar eletricidade no próximo inverno e enfrenta a perspectiva de apagões. Esse fiasco não tem a ver com a energia nuclear, mas sim com problemas de gestão do governo francês.

Somente a energia nuclear pode substituir combustíveis fósseis e alimentar uma nação próspera. A Energiewende é bem-intencionada e pode ser salva. Se a Alemanha iniciar um investimento maciço em energia nuclear, pode abandonar o carvão e ser a nação ocidental que reaprendeu a expandir a geração nuclear de forma mais rápida e acessível. Mas não será fácil; muitos alemães têm um vínculo emocional com a Energiewende, e as energias renováveis ainda são extremamente populares.

Todavia, fatos concretos podem mudar mentes. O apoio alemão para manter suas usinas nucleares abertas está aumentando por causa da crise do gás russo. Se seus líderes defenderem a energia nuclear, então eles podem ser a nação que descarboniza o mundo e salva milhões de vidas ao reduzir a poluição do ar. Nenhuma outra política poderia redimir melhor uma nação.

Leia o texto original, em inglês, aqui.

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Autor: Lea Booth
Imagem: Bandeira da Alemanha / Pixabay

Fonte: Quillette